Um dos principais monumentos de Minas – primeira ponte metálica construída no Brasil e ícone do São Francisco, o rio da unidade nacional – terá que ser restaurado, conforme determinação da Justiça Federal. O juiz federal de Montes Claros, na Região Norte do estado, Daniel Castelo Branco Ramos, condenou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) e a Ferrovia Centro-Atlântica a recuperar a célebre Ponte Marechal Hermes, estrutura entre Pirapora e Buritizeiro, na mesma região. A ação implica pagamento de indenização no valor de R$ 2,9 milhões, por danos morais coletivos, a serem destinados ao fundo de recomposição ambiental, e multa diária no valor de R$ 10 mil, caso não sejam executados os serviços, num prazo de 12 meses, após a aprovação do projeto pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

Conforme a decisão, os réus, de forma solidária, deverão fazer as obras integrais de conservação e restauro da ponte, que completa 97 anos no domingo e tem tombamento do Iepha desde 1985, mantendo obrigatoriamente as características culturais. A ação data de 2015 e foi ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público Federal (MPF) e Iepha-MG.

Além da necessidade de recuperar o patrimônio cultural mineiro, o juiz Daniel Castelo Branco Ramos destacou a questão de segurança devido às más condições da ponte que homenageia, no nome, o marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (1855-1923), oitavo presidente do Brasil (entre 1910 e 1914). Segundo o juiz federal, a estrutura estava a ponto de comprometer a segurança e a vida das pessoas, “a exemplo da criança Vanessa Oliveira Alves, de 8 anos, vitimada em 24/12/2012 por afogamento, no Rio São Francisco, após cair por um dos vãos entre as tábuas da passarela de pedestres adjacente à ponte”.

Após a “fatalidade” (morte da criança), a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil de Buritizeiro e o Corpo de Bombeiros Militar vistoriaram o local e constataram a necessidade de interditar a estrutura por falta de segurança. Na decisão, escreveu o juiz: “A precariedade das condições físicas e de uso restou demonstrada pelos diversos pareceres técnicos e vistorias reproduzidos nos autos, que relataram a existência de tábuas podres, rachadas, soltas e faltantes, guarda-corpos oscilantes e inseguros, iluminação precária, ferrugem e corrosão nas estruturas metálicas, a certificar o estado geral de abandono do bem público. Outrora pertencente à extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), a ponte ferroviária é hoje bem operacional de propriedade do DNIT”.

Cartão-postal


A Ponte Marechal Hermes se transformou em cartão-postal de Pirapora e Buritizeiro, e ninguém escapa, de câmera fotográfica em punho ou celular a postos, de capturar o pôr do sol emoldurado pela estrutura de 694 metros de extensão, apoiada em 13 pilares de concreto, com a superestrutura metálica vinda da Bélgica e cimento dos Estados Unidos. A inauguração, em 10 de novembro de 1922, teve pompa e circunstância, com a presença do então presidente da República, Epitácio Pessoa (1865-1942), e outras autoridades federais e estaduais. “Ela faz parte da nossa história e se tornou um monumento característico da região”, registrou o advogado Ivan Passos Bandeira da Mota, coautor dos livros Pirapora – 100 anos de história, com Breno Álvares da Silva, e Pirapora – Um porto na história de Minas, com Breno e Domingos Diniz.

Segundo o Guia de Bens Tombados do Iepha, a construção do pontilhão sobre o São Francisco estava no “ambicioso projeto de expansão” da Ferrovia Central do Brasil, que pretendia ligar a então capital da República, Rio de Janeiro (RJ), a Belém (PA), no Norte. A ligação do litoral com o interior do Brasil havia sido planejada e sonhada ao longo do tempo.Conforme pesquisas, desde o império, mais especificamente em 1855, traçava-se um projeto de integração do território, tendo como eixo principal a Ferrovia Dom Pedro II, que pretendia unir o Norte ao Sul, passando pelo Brasil central. Depois da Proclamação da República (1889), o projeto teve continuidade com a Estrada de Ferro Central do Brasil. Nesse período, as ferrovias representavam a vanguarda no desenvolvimento. Autor do Compêndio Anuário de Minas Gerais, Nelson Senna mostrou o otimismo de uma época e celebrou o projeto da estrada assim: “O desbravamento, por meio de linhas de ramificações, de todo o Norte e Nordeste do estado de Minas, dos sertões da Bahia, de Goiás, do Piauí, Maranhão e Pará, daria como resultado o florescimento (…) industrial, comercial e econômico do esquecido Brasil central”.

O material para construção da Ponte Velha chegou às margens do rio, em Pirapora e Buritizeiro, e, para levar adiante o projeto, valeu o empenho do agente executivo e presidente da Câmara de Pirapora, Coronel José Joaquim Fernandes Ramos, o Cel. Ramos. Mas havia dificuldades para a construção da estrutura sobre o rio, principalmente as constantes enchentes. Em 1914, as obras pararam e só voltaram quatro anos depois. Mas toda a expectativa naufragou e o projeto da ferrovia jamais foi concluído: dessa forma, a locomotiva correu sobre os trilhos, entre as duas cidades, apenas de 1922 a 1927.

A estação de Pirapora, inaugurada em 1910, atendeu ao trecho Pirapora, Corinto, Belo Horizonte até 1978. A ponte, por sua vez, passou por altos e baixos. Em novembro de 1996, a estrutura foi interditada judicialmente ao trânsito de veículos por falta de segurança. O Estado de Minas entrou em contato com o DNIT e aguarda para hoje um posicionamento sobre o assunto. Por meio de nota, a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) informou que “ainda não foi intimada desta decisão e oportunamente avaliará as medidas a serem adotadas”.

Cronologia


1910 – Trilhos da Ferrovia Central do Brasil chegam à estação de Pirapora, vindos de Lassance (MG). Obras da ponte param em 1914 e retornam em 1918

1922 – Em 10 de novembro, a ponte é inaugurada pelo presidente Epitácio Pessoa, para ligar Pirapora a Buritizeiro, no Norte de Minas

1927 – Depois de cinco anos nos trilhos, o trem de ferro deixa de circular entre os dois municípios pela chamada Ponte Velha

1950 – Do início dessa década até os anos 1990, a ponte é liberada aos veículos (carros, caminhonetes), intensificando-se o trânsito a partir de 1970

Vista da ponte sobre o Rio São Francisco em 1986, um ano depois do tombamento pelo Iepha(foto: Arquivo EM)
Vista da ponte sobre o Rio São Francisco em 1986, um ano depois do tombamento pelo Iepha (foto: Arquivo EM)


1985 – Em 22 de março, a Ponte Marechal Hermes é tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

1996 – Em novembro, a ponte é interditada judicialmente ao trânsito de veículos por falta de segurança. Fica aberta aos pedestres e ciclistas

1996 – Com o fim da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), a ponte se torna um bem arrendado à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA)

2014 – Em 15 de setembro, a Justiça determina a recuperação das passarelas laterais da ponte e elaboração de projeto para restaurar a estrutura
FONTE:ESTADO DE MINAS